Opinião: O que é um bom gateway?
- Alex Mendes
- 27 de nov. de 2017
- 10 min de leitura

Esses dias fiquei pensando sobre quais seriam as qualidades de um bom gateway. Disso, ideias fervilhando, estante cheia de possibilidades, resolvi escrever e ver se existe uma regra que nos ajude a encontrar os melhores.
Dito isso, precisamos entender o que é um 'gateway'. O termo em inglês significa ‘portão’, ‘passagem’ e é vastamente utilizado na informática como ‘ponte de ligação’. No mundo dos jogos de tabuleiro, a palavra se tornou sinônimo para jogos que servem perfeitamente para apresentar e angariar as pessoas que não conhecem (ainda!) os jogos de tabuleiro modernos. Na tarefa de sempre encontrar tempo para levar à mesa nossas coleções, não são poucos os jogadores que não conseguem reunir com freqüência os mesmo amigos que já conhecem seus jogos e não se assustam com aquela partida de Mage Knight, Twilight Imperium ou A Guerra do Anel. Mas não poucas vezes, nossos amigos não podem jogar conosco com a mesma regularidade e até mesmo, não querem jogar tanto assim como os donos dos jogos... Que fazer?
Encontrar mais pessoas! Encontrar novos jogadores e grupos nem sempre é tarefa fácil, especialmente se você vive em uma cidade pequena que nem mesmo tem algum encontro semestral para isso. A solução para muitos colecionadores e jogadores inveterados é fazer o trabalho mais difícil de apresentar esse mundo de caixas coloridas e desafios para aumentar seu círculo de possibilidades. Só que levar pessoas ao hobby é uma tarefa lenta e complicada. Especialmente porque a maioria das pessoas nunca ouviu nem falar de Catan e quando muito, jogou Banco Imobiliário ou Jogo da Vida na infância. Bom, é aí que entram os gateways. Gateways são jogos que fazem muito bem essa ponte entre quem é e quem não é jogador de board games. Uma forma de trazer para as mesas: família, amigos, desconhecidos e para aqueles que amam aumentar seus grupos de jogo, são a melhor maneira de arrebanhar novos adeptos ao vício...São jogos que podem em teoria, ser apresentados à maioria das pessoas, mesmo aquelas que nunca tiveram uma infância recheada de jogos. Escrevo “em teoria”, porque apresentar um desses jogos pode não ser uma tarefa tão simples assim e jogos que aos nossos olhos desatentos, possam parecem fáceis e simples de ensinar, às vezes são vistos como confusos e desinteressantes.
Fiquei pensando e pensando nos critérios que um jogo precisa ter para ser infalível no agradar os novos jogadores. Nisso percebi que realmente pode não existir uma boa regra. Digo isso porque o tal do gosto pessoal se torna a principal barreira para uns, e claro, podem existir pessoas que nunca rolaram dados na vida ou nunca jogaram nem mesmo um carteado. A tarefa aí será muito mais difícil, mas claro, mais prazerosa se você obtiver êxito.
Do que pensei, escrevo abaixo alguns dos critérios que devem estar presentes em maior ou menor grau nos jogos de apresentação:
Fáceis de ensinar;
Divertidos de jogar;
Muito apelo visual;
Tema atrativo;
Impacto na primeira partida;
Curva de aprendizado menor;
Competitividade equilibrada;
Elementos conhecidos;
Vou partir do pressuposto que as pessoas para quem vamos apresentar nosso hobby são pessoas que em algum momento da vida já jogaram cartas ou jogo de damas, ou mesmo Banco Imobiliário. Tendo a pessoa algum conhecimento sobre jogos e regras fará toda a diferença. Alguém que viveu assim, tão isoladamente de qualquer tipo de jogo de mesa, vai ser realmente difícil convencer a jogar, e penso que nosso arsenal não está preparado para uma empreitada dessas.
Abaixo, explico em mais detalhes cada um dos pontos e apresento alguns exemplos.
1.Fáceis de ensinar.
Primeira vez que vai mostrar um jogo para alguém e gasta mais tempo explicando as regras do que o tempo que passarão jogando? “Bad Idea!”
Um bom gateway tem que ter regras que possam ser explicadas no máximo em 10 minutos. Se passar disso, é bem capaz das pessoas já terem desistido de se divertir com aquele tal jogo que você o convidou para jogar.
Nem sempre algo com regras intricadas resultará em uma melhor experiência para a pessoa.
Em muitas situações, percebi que colocar o jogo montado sobre a mesa é mais esclarecedor do que explicar as regras mesmo. Em outras, explicar a regra básica e ir revelando os pormenores durante a partida se mostrou igualmente interessante.
Seja como for, um bom gateway tem regras simples e fáceis de transmitir e memorizar. No jogo, caso não sejam tão simples em suas regras, ajuda bastante ter componentes de referência. Ponto positivo aqui para os abstratos que na esmagadora maioria, não têm mais do que cinco regras. O ponto negativo dos abstratos é que não têm, geralmente, muito apelo visual ou tema marcante. Mas vamos falar disso mais adiante.

Excelente exemplo de um gateway com regras simples, Tsuro (2004, Tom McMurchie). Ele tem praticamente três regras: posicionar um tile, mover seu dragão através do caminho, comprar um novo tile. Agrada pela facilidade e proporciona bons momentos com até 8 jogadores ao redor da mesa.
2. Divertidos de jogar.
Não é a toa que os party games estão entre os preferidos gateways de todo mundo. Em geral têm regras simples e até são rasos estrategicamente, mas garantem a farra dos jogadores. Não importando muito o tema, proporcionam momentos de muita algazarra.
É óbvio que nem todos os colecionadores e jogadores mais ‘cabeça’ gostam de jogos festivos e muitos têm mesmo, ojeriza deles. Mas inegavelmente, a diversão da partida para os iniciantes os faz desejar voltar por mais. As pessoas realmente precisam rir nesses dias sombrios de economia instável e incertezas!
É claro que um jogo divertido de se jogar, não precisa ser essencialmente um jogo festivo. E devo dizer que existem ‘party games’ que podem fazer o efeito contrário. Por exemplo, Ultimate Werewolf, que é festivo, mas que pode ser bem chato por causa da eliminação de jogadores. Em grupos realmente grandes, essa mecânica pode ser um fator de desestímulo e não de diversão. Ao final, a diversão pode ficar apenas com aqueles que chegaram mais longe e o restante do grupo estará no celular ou fazendo qualquer outra coisa quando o jogo terminar para eles.
Um bom gateway precisa divertir os participantes, mesmo se não for festivo. Isso inclui o tempo da partida, o tempo ocioso entre as jogadas, as reviravoltas, a tensão entre as escolhas. Todas essas coisas influenciam partidas para uma coleção maior de memórias positivas.

Colt Express (2014, Christophe Raimbault) é muito divertido! Tem a dose certa de caos, ações simples, faz muita presença na mesa e tem durante a partida, diversas reviravoltas, que garantem boas risadas. Não é um 'party game', mas até que poderia ser considerado um. Vale muito conhecer para apresentá-lo. Sem contar o fato de ser muito chamativo visualmente. Até poderia ser considerado para a categoria abaixo.
3.Muito apelo visual
Existe uma boa relação entre o quão lindo um jogo é e a curiosidade que ele despertará. Claro que beleza não é sinônimo de bom jogo, mas ter bons componentes, belos e bem produzidos, com certeza fará que a experiência inicial seja muito mais satisfatória. Existem vários relatos de jogadores que perceberam as caras de curiosidade dos não-jogadores, quando estavam com aquele jogo que enche a mesa (e os olhos!) sendo jogado.
Ao pensar em um gateway, leve em conta jogos que podem despertar seus convidados, não só pela maneira como se desenrolam, mas também pelo apelo visual, interativo e diferente. Os jogos modernos são bem mais interessantes que Monotony... oh, quer dizer, Monopoly.
Sejam miniaturas, peças coloridas, componentes, cartas com arte fantástica. Ser agradável aos olhos, pode ser o caminho ao coração, mas passando pelo cérebro antes!

Um dos melhores expoentes nesse categoria, em minha opinião, é Takenoko (2011, Antoine Bauza).
Colorido de encher os olhos. Os dois protagonistas, são duas miniaturas incríveis e já pintadas. A cada novo tile colocado em jogo, o visual vai sendo transformado e os bambus coloridos dão o charme final. Um jogo perfeito para aquela foto no final da partida!
4.Tema atrativo
Não é de hoje que os jogos se propõe a transportar os jogadores para uma realidade fantasiosa e nela, permitir que cada um seja algo que normalmente não poderia ser. Ser um cavaleiro desejando salvar uma vila, um viking saqueando o mar do Norte, exploradores de cavernas ou até alpinistas, os temas são impossíveis de listar.
Por outro lado, também existem muitos jogos que se dizem, tem um tema colado com ‘cuspe’, ou seja, ter ou não ter um tema não faz a menor diferença no andar da partida. Mas guardadas as devidas proporções, até mesmo o Xadrez tem a proposta de te levar a jogar como o soberano de um reino, enfrentando seu oponente em um campo de batalhas imaginário.
Ter um tema interessante pode significar um amigo mais interessado ou não no seu convite. Ter um tema pode não ser fundamental, mas ajudará bastante e conhecer os gostos do(s) amigo(s), a diferença entre uma noite de jogatina ou uma partida solo(!).
Se o jogo não tem ‘aquele’ tema, uma valorizada na historinha dele pode ajudar bastante a empolgar seus convidados.

Eu costumo apresentar Catan (1995, Klaus Teuber) assim: “Bem vindos à maravilhosa e abundante ilha de Catan, onde de estação em estação, a terra produz riquezas inimagináveis. Mas essa riqueza não passou despercebida e nobres conquistadores dos quatro cantos do mundo querem essa riqueza para si. É no papel de um desses nobres que você tentará ser o colonizador de Catan”.
5.Impacto da primeira partida
Esse é o quesito mais subjetivo do nosso artigo e possivelmente, poderia ter sido incluído no quesito “divertidos de jogar”. É realmente difícil dizer quais jogos serão impactantes para aquele seu amigo que atendeu ao seu convite para a jogatina. Nem sempre nossa expectativa de uma noite divertida de jogos será feita realidade. Mas ao buscar um bom exemplo de gateway que se enquadre na melhor primeira impressão, a busca deve ser por jogos que tenham o bom e velho “plot twist”. Sabe aquela reviravolta na história que ninguém esperava? Então, quanto mais a cabeça do seu amigo/a ‘explodir’ na primeira partida, mais brilho nos olhinhos a gente vê.
Os jogos de blefe, na esmagadora maioria, causam bem esse impacto. Afinal, como é possível que seu convidado se mostrasse tão talentoso para o teatro?
É óbvio que outros jogos que não sejam de blefe, podem igualmente ser impactantes. Especialmente aqueles em que a pontuação é disputada ponto a ponto, ou aqueles jogos em que a ansiedade se vai acumulando, onde cada jogada é uma reviravolta no placar ou na história ou onde exista uma corrida contra o tempo, também podem ser muito marcantes na primeira experiência do novato.
Aqui, gostaria de abranger os jogos cooperativos. Em minha opinião, eles têm um duplo fundamento no hobby. Tanto o fato de serem excelentes jogos introdutórios, mas também por apresentar um novo enfoque nestes. Nem todo mundo gosta de jogar competitivamente. Ou pelo menos, não contra outro jogador. Em jogos cooperativos, até mesmo aquela história do “dono do jogo que leva vantagem”, desaparece. Enfrentar um oponente comum, ter dificuldades e desafios escalonáveis, decisões difíceis e angustiantes, vitória por um triz... Tudo isso pode ser o fator que procuramos para impactar nossos amigos.

Uma excelente opção de um jogo cheio de tensões, para mim é Pandemic (2008, Matt Leacock). Cooperativo, permite até que aquele jogador mais desavisado e desinteressado em regras possa participar. A tensão crescente se a equipe vai ou não vai ter sucesso garante a atenção de todos até o final. Mas cuidado com os 'alpha players'!
6.Curva de aprendizagem menor
Tanto quanto o fator de regras fáceis, um bom gateway precisa ter uma curva de aprendizagem menor, que é a capacidade dos novos jogadores irem aprendendo rapidamente algumas nuances do jogo. Alguns jogos são simples no aprendizado, mas pode-se levar uma vida para dominá-lo. Se o jogo for desafiante demais, não dará ao novato a dose certa de incentivo para continuar a jogar.
A melhor representação disso é ver ao final da partida a pessoa dizer: “Ah... agora entendi o que deveria ter feito. Vamos de novo!”. Se conseguir essa experiência com freqüência, terá adquirido um excelente jogo de introdução ao hobby. Me lembro da experiência de ensinar Hive a uma criança de oito anos. Nós jogamos umas 12 partidas seguidas até que o menino conseguisse sua primeira vitória. Pode ser que nem todas as pessoas se auto-desafiem como meu pequeno aprendiz, mas foi muito gratificante ver uma pessoa aprendendo com os erros da partida anterior e desejando voltar a ele tão imediatamente para testar novas possibilidades.

O fator levemente punitivo de Patchwork (2014, Uwe Rosenberg) ao final da partida, faz dele um bom exemplo nessa categoria. Simples em regras, mas que desafia a pessoa a conseguir sempre uma melhor pontuação. O iniciante quer jogar de novo para tentar corrigir as falhas da sua tapeçaria anterior. Em minha experiência com os jogos, o melhor jogo para duas pessoas.
7.Competitividade equilibrada
Não sei se existe uma estatística para isso e pode ser que algumas pessoas discordem firmemente do que vou dizer, mas se a pessoa realmente tiver chances de (e vier a) vencer em sua primeira partida, ela gostará mais do jogo e desejará jogar de novo.
Não quero dizer que precisamos deixar a pessoa ganhar para atraí-la, porque não seria uma experiência justa, honesta ou mesmo divertida. O que quero dizer aborda gateways que apesar de enquadrarem-se nos quesitos acima, no geral, privilegiam o jogador veterano. Alguns jogos são extremamente simples (como o Xadrez) em seu desenvolvimento, mas evidenciam o abismo que existe entre um jogador experiente e um novato. Esse é um fator que pode desmotivar muitos iniciantes. Se eles não conseguirão vencer sem muita caminhada, nem sempre encontraremos aquelas almas perseverantes que insistirão em jogar até serem capazes de vencer. Crianças podem ser as primeiras a desistir.
Uso aqui, como exemplo reverso, Century, de Emerson Matsuuchi. É um jogo muito fácil de ensinar e divertido de jogar. Mas é desses jogos em que um novato pode não ser capaz de vencer em sua primeira partida. Não porque o dono do jogo será implacável, mas porque ele pode não ser capaz de perceber a importância de certas cartas que estão diante de seus olhos. Construir sua ‘máquina de ações’ e equilibrá-la para maximizar suas ações não é um conceito que o mercador de primeira viagem consegue captar na primeira partida. Apresentei Century para um amigo e seu filho de 13 anos. Por mais que eu o alertasse sobre as excelentes escolhas que estavam à disposição no mercado, ele me dizia que tinha outra ‘estratégia’. Moral da história: venci as duas partidas que jogamos com um placar de muitos pontos de diferença. O detalhe é que aquelas foram também minhas duas primeiras partidas, mas eu tinha visto um gameplay do Davi Coelho e já sabia que as cartas podiam ser utilizadas para melhores combos.
8.Elementos conhecidos
Finalizando nossa lista de conceitos, algo bem bobo até de comentar, mas necessário. Use jogos que tenham elementos conhecidos aos novatos.
Dados, jogos de cartas, coleções, dominó, corridas. Todas essas coisas fizeram parte da história de muitas crianças e adolescentes com os jogos. O intuito aqui é trazer familiaridade com os elementos. Embora pensemos que todos os jogos por sí sós já contém esses elementos familiares, é possível um engano. Por exemplo, a mecânica de 'deck building' de Dominion é algo nunca visto por muita gente. Pensando assim, jogos de forçar sua sorte, aliados a novos elementos e objetivos mais claros, podem ser uma boa fórmula para que novos jogadores se encantem com o nosso mundo. Apresentar gateways que contenham elementos familiares, ajudará a derrubar barreiras e preconceitos iniciais.

Finalizo nossa ponte, com Kingdomino (2016, Bruno Cathala). O clássico jogo de juntar faces iguais, mas repaginado de uma forma atraente para todas as idades. O visual dele ao final do jogo convida para mais uma partida. Ele concentra elementos de todas as categorias acima. Fácil de ensinar, muito apelo visual, partidas rápidas e interessantes. Vale a pena conhecer e ter para apresentá-lo a seus amigos.
E para você? O que é um bom gateway?
Até a próxima, comunidade!
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